“Memórias da Pensão Humaitá”, de João De Scantimburgo é uma obra que mescla humor, melancolia e reflexões existenciais para retratar a vida em uma pensão durante os anos 1930. O romance, narrado em primeira pessoa, um jovem estudante de Direito que se muda para a pensão em busca de uma vida melhor, explora as relações humanas, os sonhos frustrados e as transformações sociais da época.e muito vinho.
A história é ambientada na Pensão Humaitá, um espaço coletivo onde convivem personagens de diferentes origens e personalidades.
O Nascimento da Lendária Pensão Humaitá
Nos anos 1930, em plena esquina da Av. Brigadeiro Luís Antônio com a rua Humaitá, nascia uma das mais icônicas confrarias do vinho no Brasil: a Pensão Humaitá. Inicialmente um ponto de encontro despretensioso, a casa ganhou notoriedade ao se tornar um verdadeiro templo do vinho, onde cultura, amizade e boa mesa se entrelaçavam. O nome, que remete ao endereço original, foi consolidado anos depois com a presença marcante de Marcelino de Carvalho, um dos maiores entusiastas e conhecedores de vinho do Porto na época.
Marcelino de Carvalho, ou apenas Marcelino para os mais próximos, era uma figura ímpar. Jornalista, escritor e cronista, ele transitava com elegância entre os círculos intelectuais e a alta sociedade paulistana. Seus livros de etiqueta permanecem como clássicos até hoje, refletindo sua personalidade refinada e seu amor pela cultura. Filho de Antônio Marcelino de Carvalho e Brasília Machado de Carvalho, Marcelino trouxe charme e conhecimento à Pensão, enriquecendo o ambiente com debates sobre vinho e etiqueta.
A verdadeira alma da Pensão Humaitá, no entanto, era Yan de Almeida Prado. Historiador, bibliófilo e participante ativo da Semana de Arte Moderna, Yan era um intelectual apaixonado pelo vinho. Seu período de estudos na Europa foi fundamental para ampliar sua compreensão sobre os grandes rótulos e a arte de bem receber. Apesar de sua posição política conservadora, Yan reunia em sua mesa figuras ilustres como Assis Chateaubriand, Júlio de Mesquita Neto e Monteiro Lobato, mostrando que as diferenças ideológicas não impediam diálogos enriquecedores.
Durante mais de cinquenta anos, os almoços de sábado na Pensão Humaitá foram um ritual sagrado. Mesmo com a mudança para a rua Guaianases, o espírito do lugar permaneceu intacto. Na mesa de Yan, Bordeaux era a estrela, mas também havia espaço para rótulos pioneiros como os Bourgognes, Vega-Sicília e o lendário Egon-Müller. A diversidade e a qualidade da adega de Yan eram impressionantes, e cada garrafa aberta parecia trazer consigo uma história para compartilhar.
A Pensão Humaitá também era um espaço de encontros entre grandes mentes. Leonardo Arroyo, Ciccillo Matarazzo, João de Scantimburgo e outros confrades trouxeram brilho às conversas regadas a vinho. Não era o sabor da bebida que atraía tantos intelectuais, mas a atmosfera de camaradagem e troca de ideias. Era impossível sair de lá sem aprender algo novo ou se encantar com uma história fascinante.
A Influência da Pensão na Cultura do Vinho no Brasil
A Pensão Humaitá foi uma confraria. Ela ajudou a moldar o cenário do vinho no Brasil, introduzindo rótulos que hoje são referência e criando um espaço para o desenvolvimento do paladar e do conhecimento sobre vinhos. Para quem teve o privilégio de participar, cada encontro era uma celebração da vida e do vinho.
Quem quiser conhecer mais sobre esse legado pode se aventurar nas páginas de “Memórias da Pensão Humaitá”, de João de Scantimburgo. É um convite para reviver uma época de ouro, onde o vinho unia pessoas e criava laços que transcendiam o tempo. Para mim, relembrar esses momentos é como brindar com as memórias de um passado que continua vivo em cada taça que levanto. Saúde!