por A. Almeida
Uma despedida silenciosa
Mario Vargas Llosa se foi. Morreu em Lima, aos 89 anos, cercado pela família e longe das homenagens públicas que talvez muitos esperassem. Foi seu desejo: uma partida íntima, com cerimônia privada e cremação. Seu filho, Álvaro Vargas Llosa, compartilhou a notícia nas redes sociais, confirmando o adeus de um dos maiores escritores do século XX. A escolha por um luto reservado revela muito sobre o homem que sempre esteve no centro dos debates culturais e políticos, mas que, no íntimo, era profundamente ligado à sua família e à própria introspecção criativa.
Nascido em 1936 na cidade de Arequipa, no sul do Peru, Mario Vargas Llosa começou a trilhar seu caminho literário ainda jovem. Em 1959, com apenas 23 anos, lançou seu primeiro livro, Los Jefes, uma coletânea de contos que já anunciava o talento incomum que marcaria sua carreira. Logo vieram obras arrebatadoras como A Cidade e os Cachorros (1963), que sacudiu o cenário literário latino-americano ao denunciar a brutalidade nos colégios militares peruanos.
Ao lado de nomes como Gabriel García Márquez, Julio Cortázar e Carlos Fuentes, Vargas Llosa foi um dos pilares do chamado “boom” latino-americano. Em Conversa na Catedral, mergulhou na desilusão política; em A Guerra do Fim do Mundo, reinterpretou a Revolta de Canudos com uma profundidade quase épica; e em A Festa do Bode, revisitou com coragem os horrores da ditadura de Trujillo na República Dominicana. Seus livros contavam histórias, descascando as camadas do poder, da violência e da condição humana.
Dedico a Você Meu Silêncio
Mesmo aos 87 anos, Vargas Llosa não parou. Em outubro de 2023, publicou seu último romance, Dedico a Você Meu Silêncio, uma ode à música e à liberdade, com ares de despedida. O próprio autor declarou que seria sua última obra escrita “do zero”. Ainda expressou o desejo de concluir um ensaio sobre Jean-Paul Sartre, seu antigo mestre intelectual. Era como se ele soubesse que o fim estava próximo, mas recusasse a ideia de parar de pensar, criar, provocar.
Em 2010, a Academia Sueca lhe concedeu o Prêmio Nobel de Literatura, destacando “sua cartografia das estruturas de poder” e “as imagens vigorosas de resistência, revolta e derrota do indivíduo”. Mas Vargas Llosa foi um feroz crítico político.
Questionado certa vez sobre o regime político ideal, Vargas Llosa foi direto: “Sou um liberal, um democrata, creio na liberdade.” Para ele, o liberalismo era uma forma de evitar o extremismo e fomentar reformas duradouras e humanas. Via com temor o avanço das ideologias autoritárias e acreditava que as grandes transformações deviam vir da própria sociedade, nunca impostas pela força.
A nota da família, comovente em sua simplicidade, diz muito sobre o que Vargas Llosa foi para os seus: “Morreu cercado por nós e em paz. Teve uma vida longa, múltipla e frutífera.
Não haverá velório, tampouco homenagens públicas. Mas haverá, certamente, incontáveis leituras silenciosas, lágrimas discretas e lembranças calorosas. Vargas Llosa se despede como viveu: com intensidade, lucidez e uma paixão inabalável pelas ideias, pelas palavras e pela liberdade. A literatura latino-americana perdeu um titã. O mundo perdeu um pensador incansável. Nós, leitores, perdemos um amigo de páginas.