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O Trem “Pirulito” e Outras Lembranças

Por A. Almeida -Poeta e Jornalista

O Trem “Pirulito”

O relógio marcava quase sempre igual,
Quando ao longe, o apito ecoava,
E o “Pirulito” surgia imponente,
Trazendo vida, alegria e alma animada.

Os passageiros saltavam com pressa ou encanto,
Outros subiam, seus sonhos levavam,
E eu, com olhos brilhando no escuro,
Imaginava destinos que nunca chegavam.

Era uma festa que a praça acolhia,
Entre luzes e vozes, era pura magia,
Mas o trem, ao partir, levava consigo
Um pedaço da noite, um rastro de alegria.

E quando a última luz se apagava,
Silêncio vestia a estação adormecida,
Ficava em mim, menino, a certeza:
Naquele trem, viajava a própria vida.

O “Pirulito”, trem da minha infância,
Nunca soube aonde ia chegar,
Mas deixou em mim, entre trilhos e sonhos,
A saudade de noites que não vão voltar.

O Trem da Calçada

Na praça em frente à velha igreja,
Eu menino, corria, sonhava e brincava,
O coreto, palco de risos e histórias,
Guardava o encanto das noites que chegavam.

O trem parte, lento, na boquinha da noite,
um rastro de ferro cortando o silêncio.
Na Estação da Calçada, a vida se embaralha,
homens, mulheres, crianças – histórias na bagagem.

O apito corta o ar,
um grito de liberdade contida.
O subúrbio se estende como um poema,
pontes, ladeiras, curvas que abraçam o horizonte.

Paripe, primeiro suspiro de chegada,
gente desce, gente sobe,
o trem carrega sonhos e cansaços,
toca o coração da cidade.

Mapele se anuncia na brisa,
lá, as casas são cúmplices do tempo.
O trem, em sua lentidão poética,
desenha na memória um quadro de saudades.

Nas curvas ele dança,
nas subidas, luta.
Passa por vilarejos que piscam,
como vaga-lumes na escuridão.

Parafuso, parada breve,
um aperto de mãos entre o passado e o futuro.
Camaçari se aproxima,
o destino de quem viveu a aventura.

Que tempo bom,
quando o trem era mais que transporte,
era vida, era história,
era o coração pulsando sobre trilhos.

E ao chegar em casa, exaustos,
sabíamos, com uma certeza doce,
que viver era viajar,
e cada estação, um verso do poema.

O Poço Fundo e o Polo Petroquímico

Vivíamos sem água,
sem luz elétrica,
o poço fundo era nosso ventre,
o minadouro nas pedrinhas,
uma bênção que brotava entre raízes.
A luz, pendurada no candeeiro,
era uma estrela tímida,
iluminando a noite da infância.

Para buscar açúcar ou farinha,
a rua parecia um deserto de léguas.
A escola, ah, a escola!
Era uma linha torta no horizonte,
e o sol, carrasco impiedoso,
marcava a pele com seus raios de fogo.

Das chuvas, poucas lembranças.
Mas quando vinham, os rios se faziam gigantes,
e os peixes—acarás, bagres—
se encolhiam em lagoas calmas,
fugindo das correntezas.
As cobras, como segredos sibilantes,
sumiam na vegetação densa.

Então, as notícias chegaram,
sopradas como um vento improvável:
Empresas.
Fábricas.
Indústria.
Era um absurdo.
Um paraíso de rios, longe da capital,
sem estrutura, sem tradição,
agora seria moldado por máquinas?

Certo dia, curioso e incrédulo,
caminhei até o alto da cruz.
O caminho era de pedras,
a paisagem, de silêncio.
E lá estava ela:
uma cerca de arame farpado,
um homem fardado.
“Menino, aqui não pode ficar.”

Ali, no aviso seco,
descobri o destino do meu lugar.
O polo petroquímico erguia suas vigas
sobre as memórias da minha terra,
e o paraíso dos rios cedia espaço
ao progresso,
que não perdoa,
que não espera.

Mas na lembrança,
o poço fundo ainda guarda sua água,
e as pedrinhas do minadouro
sussurram histórias.
O candeeiro, apagado,
ainda ilumina os sonhos
de quem viveu antes que as máquinas
desenhassem o futuro.

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