Em toda cidade que se preze, a praça é quase um álbum de família: tem sempre o nome de alguém importante, um santo protetor, uma planta que floresce no imaginário coletivo ou, vá lá, um conceito bonito tipo “Simpatia”. Em Camaçari, já tivemos tudo isso: Praça Abrantes, que carrega o peso histórico; Praça da Simpatia, que já vem com o sorriso incluso; Desembargador Montenegro, com toda sua formalidade jurídica. Aí, do nada, surge “Praça dos Arruelas”. Oi?
Arruelas? Sim. Mas… em homenagem a quem, exatamente?
Não é piada, não. A nova praça batizada na Gleba C parece ter sido inspirada em uma peça de ferro, literalmente. A arruela de pressão, para quem faltou na aula de oficina, é tipo uma irmã humilde da mola. Uma rodela metálica que ajuda a manter o parafuso firme no lugar. Só isso. Ela não salvou a cidade de uma enchente, não fundou escola, não virou mártir. É só uma arruela. Isso mesmo, aquela peça que você perde no fundo da gaveta de ferramentas e só percebe quando o móvel começa a desmontar sozinho.
Talvez tenha sido uma homenagem a algum mecânico aposentado, um engenheiro sentimental, ou quem sabe um trocadilho mal interpretado numa reunião da prefeitura. Vai ver alguém disse “vamos dar um nome que segure firme no tempo”, e pensaram na bendita arruela. Fato é: ninguém até agora apareceu para dizer “sou eu, o Sr. Arruela, muito prazer”. A população está pasma, confusa e, claro, rendida à piada pronta.
Dar nome a uma praça não é brincadeira. É quase um batizado coletivo, um elo com a memória da cidade. Você imagina Paris chamando uma praça de Place de la Rondelle de Serrage? Ou Roma com a Piazza della Rondella Anti-Rotazione? Pois é, nem eles. E nós aqui, batendo cabeça para explicar pro turista o que é uma arruela, quando o que ele queria era só tirar uma selfie com um coqueiro bonito.
A cidade tem personagens incríveis, momentos históricos marcantes, cultura vibrante, tradições quilombolas, heróis anônimos do Polo Industrial, da resistência cultural, da arte popular. Tanta gente que fez, e faz, a diferença no cotidiano, e o que se eterniza? Um item de ferragem! É como se nosso passado tivesse sido apertado com uma chave de boca e trancado numa caixa de ferramentas.
Claro, a gente ri. Porque não tem muito o que fazer além disso. A Praça dos Arruelas virou meme, assunto de bar, e até quem nunca ouviu falar em Camaçari agora quer ver esse lugar só para confirmar que é verdade. Mas passada a graça, fica a sensação de que faltou sensibilidade, faltou escutar a cidade. Uma praça é um espelho da comunidade, não o catálogo da Leroy Merlin.
Ninguém aqui está pedindo uma Praça Albert Einstein nem uma Praça Irmã Dulce (embora seriam ótimas ideias, aliás). Mas uma plaquinha contando a história por trás do nome, um busto de algum “Sr. Arruela” que justificasse, qualquer coisa que dê alma a esse batismo, já ajudaria muito. Do jeito que está, parece piada interna de gabinete.
Cada praça, cada rua, cada canto da cidade tem o poder de contar uma história. E se a gente deixar essa história ser escrita por metáforas mal pensadas, a memória coletiva vai virar um catálogo de oficina mecânica. Que venha a criatividade, sim, mas que venha junto com afeto, identidade, pertencimento.
Afinal, praça é lugar de encontro, não de aperto.
P.S – O bloco de carnaval “OS ARRUELAS” se organizava para ensaios no terreno onde foi construida a praça.
Por-A. Almeida