O grito “Tenho sede”: o sinal humano e divino do abandono
Na Sexta-feira Santa, uma única frase de Jesus que repercute como um trovão dentro de cada cristão: “Tenho sede.” Não é só a sede física de um corpo ferido e exausto pendurado num madeiro. É sede de humanidade, sede de amor correspondido, sede da nossa conversão sincera. O Filho de Deus, ali, à beira da morte, não murmura palavras de acusação ou queixa. Ele declara uma carência. Jesus, o eterno, expressa sede — o ápice da sua encarnação. E isso toca a alma. Toca porque revela o quanto Ele assumiu a condição humana por inteiro, até o fim.
Quando Jesus diz “Está consumado”, não é uma declaração de derrota. É um grito de vitória. A missão pela qual veio ao mundo — reconciliar a humanidade com o Pai — chega ao seu ápice. Não há mais o que provar. Tudo foi feito por amor. Cada chaga, cada gota de sangue, cada humilhação — nada foi em vão. Ao inclinar a cabeça e entregar o espírito, Jesus sela um pacto eterno com a humanidade. Essa entrega não representa o fim da história. Representa o começo de algo muito maior, um amor que atravessa séculos e transforma gerações.
O silêncio das igrejas
Nesta sexta, as portas das igrejas continuam abertas, mas o altar permanece nu. Não há canto, não há celebração da Eucaristia. Só o silêncio. Um silêncio que fala. Um silêncio que grita. Porque é nesse vazio litúrgico que somos convidados a mergulhar profundamente no mistério da cruz. O véu do templo rasgado já não separa mais o divino do humano. Nós nos ajoelhamos, não por tradição, mas como um gesto de humildade, de reconhecimento de que, sem a cruz, nada faz sentido.
Quando nos ajoelhamos diante da cruz. É um movimento interior. Um chamado a reconhecer nossas vaidades, nosso orgulho, nossas quedas. A cruz nos ensina a descer do nosso pedestal e a amar mais profundamente.
Nesta Sexta-feira Santa, talvez o maior convite seja esse: ficar em silêncio com o coração aberto. Não para fugir da dor, mas para mergulhar no amor. O amor que tem sede de nós.
por A. Almeida